Brasília Contemporânea: MOSTRA / 02

MOSTRA / 02: “BOA VIAGEM, CLARICE!”

A obra de Clarice Gonçalves sublima Brasília. Todo o concreto da arquitetura modernista é traduzido na imensidão do céu azul, laranja, amarelo, rosa, ocre e das nuvens que transitam nos espaços do vasto céu, assim como as pessoas que transitam nos espaços vazios da cidade. Na imensidão de quem tem num céu multicolor, que convida à contemplação, muito mais do que um mar.

A pintora faz parte de uma geração de artistas que despontam em Brasília e despertam para o mundo. Ou melhor, para os quais o mundo está despertando. Dotados de uma relação com o espaço muito diferente da que os urbanoides de outras cidades têm, essa geração está atraindo, para a capital do País, a atenção que o rock de Brasília um dia atraiu.

Clarice transmite uma leveza incomparável em seu olhar sobre o feminino. Parte do seu processo criativo começa por meio da pesquisa por imagens na internet, o que a coloca no topo da vertente da contemporaneidade, lançando seu olhar e interpretação sobre figuras que não estão necessariamente em seu contexto, e apropriando-se delas com a marca e estilo inconfundíveis de Clarice Gonçalves. Esse estilo se constitui nas pinceladas fortes, criando muita textura, e nas manchas fluidas, denotando um contraponto de leveza. Outra peculiaridade, quando se vai ao atelier, é a diversidade de formato de telas - a artista não se detém à monotonia da reta, exerce sua autonomia e questiona todos os aspectos da pintura.

Munidos de densidade, os títulos das obras são pequenas narrativas do pensamento, fogem do óbvio e convidam - ou melhor, praticamente incitam - o apreciador a pensar além do estático. A melhor definição do olhar retratado e recorrente de suas mulheres, sempre a raptar a atenção, vem a ser justamente título de uma de suas obras “o soslaio furtivo de olhares inquietadores”. É difícil ser apenas espectador de seus retratos e não se sentir testemunha de algo que não será mais o mesmo momentos depois, devido a uma sensação de familiaridade beirando o déjà-vu, uma qualidade rara e sutil que nos dá uma sensação de intimidade com a cena representada, como se a pintura colhesse de cada um de nós algo de nossa história pessoal.

Para esta mostra, Clarice selecionou um acervo para deixar Brasília com saudades. Boa viagem Clarice!

Curadoria Thais Catunda